O desfazer de sonhos e projectos
Milhares de jovens estão a ser forçados a abandonar o Ensino Superior. Insuficiência económica, dificuldades no acesso à bolsa de estudo e propinas incomportáveis são apontadas como a causa para esta sangria processada ao ritmo de 100 estudantes por dia.
Quer-se voltar ao tempo em que só estudava quem tinha dinheiro
Em debate de actualidade agendado por sua iniciativa foi para esta realidade dramática que o PCP chamou na passada semana a atenção do Parlamento, exigindo do Governo a rápida adopção de medidas que invertam a situação, nomeadamente por via do reforço da acção social escolar, dando cumprimento à Constituição.
Embora continuem por divulgar os números exactos do abandono no Superior, porque a isso se recusa o Governo, o que a realidade confirma é que todos os dias há cada vez mais alunos que são obrigados a parar os seus estudos por não terem dinheiro para pagar «os custos exorbitantes com propinas, transportes, alimentação e material escolar», como denunciou na intervenção de abertura a deputada comunista Rita Rato.
«É inaceitável que desde 2009 sejam púbicos os relatos de estudantes universitários que recorrem ao Banco Alimentar para matar a fome, e que a resposta encontrada pelo anterior governo PS e pelo actual Governo PSD/CDS-PP seja cortar bolsas, aumentar propinas e cortar no passe sub-23», declarou a deputada do PCP, que recordou que no ano lectivo 2010/2011 foram 11 mil os estudantes que perderam a bolsa, 12 mil os que viram o seu valor reduzido, a que se junta já com este Governo e neste ano lectivo o corte de mais 15 600 bolsas, ou seja em dois anos foram cerca de 26 600 os estudantes que perderam a sua bolsa de estudo.
«Nunca desde o 25 de Abril tantos jovens foram impedidos de estudar no Ensino Superior por falta de condições económicas, e nunca tantos estudantes que ingressaram se viram obrigados a desistir ou a passar dificuldades dramáticas para continuar a estudar», resumiu Rita Rato, considerando estar a viver-se «um retrocesso social que faz lembrar os tempos do fascismo em que só estudava quem tinha dinheiro».
Contradições
Um dos aspectos mais criticados pelo PCP no debate foi, pois, a limitação da acção social escolar, mais do que propriamente o «regulamento de bolsas» – um mero «instrumento técnico», elucidou Rita Rato –, relativamente ao qual foi perceptível o esforço das bancadas da maioria no sentido de o enaltecer e valorizar, garantindo que «dá resposta às necessidades sociais dos estudantes» e que «é melhor» do que o anterior da autoria do governo PS.
Esse foi aliás um argumento que marcou a intervenção do deputado do CDS Michael Seufert, nele tendo insistido também o secretário de Estado do Ensino Superior, João Filipe Queiró, dizendo que o actual regulamento «é mais justo» do que o anterior e que não é por ele que há «abandono do Ensino Superior».
Não podendo deixar de constatar que as «famílias atravessam dificuldades», o secretário de Estado acabou por reconhecer também que «há estudantes que não prosseguem estudos» por insuficiência económica.
«Ou não percebe a gravidade da sua afirmação» ou está objectivamente «a dizer que o Governo está a violar a Constituição, ao não permitir às famílias com menos recursos o acesso ao Ensino Superior», reagiu de pronto Rita Rato.
Perante a acusação, na resposta, o governante acabou no entanto por cair em contradição ao afirmar «não ter havido aumento de matrículas anuladas em relação ao ano passado», segundo informações que disse ter recebido das instituições.
Outras contradições puderam ser observadas. Foi ainda o caso da protagonizada entre o secretário de Estado e o deputado do PSD Duarte Marques, com este (depois de um choradinho em que invocou a crise para o seu corte) a garantir no entanto que não faltará a bolsa a quem dela «precise», e aquele, depois de anunciar que há 53 mil bolsas atribuídas, a dizer que já «não há folga orçamental».
À míngua
Já sobre o aumento médio do valor da bolsa, aspecto muito invocado pelo secretário de Estado, foi ainda a deputada do PCP a lembrar-lhe que há estudantes que «comem um papo-seco ao almoço, que andam a pé vários quilómetros porque não têm dinheiro para comprar o passe, outros que não têm dinheiro para comer, sem falar das famílias a passar dificuldades brutais».
Repudiou, por isso, perante esta realidade dramática, que o governante diga que são «números fantasiosos». «Mas em que mundo é que o senhor secretário de Estado vive?», inquiriu Rita Rato, esclarecendo: «É que o mundo real é o daquelas pessoas que não têm dinheiro, dos estudantes que dizem que já nem sequer se candidatam ao Ensino Superior porque os pais estão desempregados e não têm dinheiro para pagar as propinas.»
Alterar o quadro
A deputada comunista Rita Rato anunciou no decurso do debate que o PCP apresentará no Parlamento um projecto de lei que alarga o número de estudantes com possibilidade de acesso à bolsa máxima. É que hoje, para ter acesso a esta bolsa, é preciso ter «rendimento zero», ou seja, ser órfão ou não ter qualquer rendimento.
Daí que a proposta do PCP aponte no sentido de que o estudante cujo agregado tenha um rendimento líquido per capita até aos 618 euros veja garantido o direito à bolsa máxima.