Governo prossegue cavalgada contra mundo laboral

Despedimentos a preço de saldo

Com indignação e repúdio é vista a intenção do Governo de reduzir para entre seis a dez dias por ano de trabalho as indemnizações por despedimento (depois de já ter baixado de 30 para 20 dias). Trata-se de mais um passo para aumentar a exploração dos trabalhadores e instituir a «lei da selva nas relações laborais», adverte o PCP.

Patrões com luz verde do Governo para despedir

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Este assunto foi levado à sessão plenária, realizada faz hoje oito dias, pelo líder parlamentar comunista Bernardino Soares numa declaração política onde o Executivo PSD/CDS-PP esteve sob crítica cerrada por executar uma política de «terraplanagem dos direitos dos trabalhadores».

«Quer aumentar o horário de trabalho, eliminar feriados e férias, cortar nas horas extra (mais trabalho com menos salário), quer cilindrar a contratação colectiva e alargar as razões para despedir (incluindo um verdadeiro despedimento sem justa causa), quer permitir o despedimento a preço de saldo», sintetizou, numa veemente denúncia, o presidente da bancada comunista, para quem este Governo, no fim da contas, «cumpre, como zeloso pau mandado do grande patronato, o programa de agressão à vida de quem trabalha».

É a essa luz que deve ser vista a proposta agora anunciada de alteração ao Código do Trabalho, quando outras precedentes de sua autoria ainda estão em tramitação legislativa na AR, tudo isto depois dessa feroz cavalgada inicial que foi, ainda mal acabara de entrar em funções, a proposta de lei que primeiro reduziu as indemnizações por despedimento, diminuindo o seu valor por dia e por mês (por anos de trabalho) e introduzindo-lhes valores máximos.

Não satisfeito com esta razia, o Executivo quer ainda aumentar para 17 meses o prazo mínimo de contrato para o trabalhador ter direito a indemnização, o que, como assinalou Bernardino Soares, «é o mesmo que dizer aos patrões: se despedirem antes dos 17 meses, nunca pagarão indemnização».

 

Sucessão de mentiras

 

Desmontados, um por um, foram entretanto os argumentos aduzidos pelo ministro Pereira para tentar justificar as medidas do Governo. O líder parlamentar do PCP não hesitou em apelidá-los de «chorrilho de mentiras e falsificações», dando como exemplo a afirmação por aquele proferida segundo a qual o problema do nosso País é a «rigidez» do mercado de trabalho, a dificuldade em despedir, pelo que há que o «tornar mais competitivo».

Como se a competitividade da nossa economia pudesse ser alcançada por via de «salários cada vez mais baixos», como se a existência de um milhão e 200 mil desempregados e outros tantos trabalhadores precários «não fosse já um paraíso para a exploração de quem trabalha», como se não fosse este um Ministério e um Governo, observou Bernardino Soares, que «nada faz para garantir que haja crédito acessível, designadamente para as pequenas empresas, que apoia os brutais lucros da EDP, da GALP e outras empresas do sector energético que sangram a economia nacional, que corta no investimento público alimentando a recessão, e que elege como objectivo da sua política económica o despedimento fácil».

Outra «verdadeira falsificação», assim foi classificado, por outro lado, o «estudo comparativo» agora divulgado pelo Ministério da Economia e que serve de base aos seus intentos. «Compara realidades de todo incomparáveis no plano das regras laborais (ignorando mecanismo como o aviso prévio ou a prevalência de regras de contratação colectiva, por exemplo)», sublinhou Bernardino Soares, lembrando que esconde ainda essa outra questão decisiva que é a de os níveis salariais dos trabalhadores portugueses serem «incomensuravelmente inferiores aos da generalidade dos restantes países europeus».

 

Eliminar direitos

 

Outra «verdadeira abstrusidade», para o PCP, é a afirmação do titular da pasta da Economia de que despedir com facilidade ajuda a criar emprego. Não só não cria um único posto de trabalho como o verdadeiro objectivo é apenas «substituir trabalhadores com direitos por trabalhadores sem direitos, com precariedade máxima e por isso com salários mais baixos», sublinhou o presidente do Grupo comunista, que, perante este quadro, disse ser a altura de se «perguntar ao PSD e especialmente ao CDS» sobre o paradeiro do tão falado «visto familiar» para estas medidas do Governo. Corrosivo, admitiu a sua existência, mas «só se for o visto familiar da “família” Sonae ou da família Espírito Santo, ou da família Amorim».


Meias tintas do PS são
«mel» para o patrão

 

Face às graves e perigosas alterações para pior ao código laboral, Bernardino Soares deixou claro na sua intervenção ser esta uma matéria que não se compadece com posturas de «meias tintas». Daí o seu desafio ao PS para que deixe as águas turvas onde se move. É que as alterações que o Governo quer aprovar, sublinhou, «não permitem qualquer hesitação para quem mantenha um resto de apego pela matriz constitucional de defesa dos direitos dos trabalhadores», nem «tolera uma abstenção» na generalidade como a que foi dada pelo PS ao diploma do Governo que desfere novo e brutal ataque ao mundo do trabalho.

Numa fuga ao repto, nunca tocando na questão essencial – e o essencial seria esclarecer sem rodeios se está contra ou a favor de uma proposta como é esta que põe o despedimento a preço de «liquidação total» – o deputado do PS Miguel Laranjeiro fez o habitual exercício de «quadratura do círculo» com o qual a sua bancada procura resolver nesta matéria contradições e ambiguidades, questionando não a proposta em si mas o «estudo» em que o Ministério «fundamenta as alterações», atacando não o seu conteúdo mas a forma utilizada pelo Governo, a quem acusou de agir à «sucapa», «governar pelos jornais» e «não estar de boa-fé».

«Quem o ouviu não ficou muito tranquilo em relação à posição do PS», respondeu, por isso, Bernardino Soares, assinalando que Miguel Laranjeiro até exprimira posições que são justas mas das quais não resulta qualquer consequência. «O que se vê depois é que o PS continua a navegar em águas turvas à volta desta matéria, sem se definir claramente sobre se está de acordo com a diminuição das indemnizações por despedimento ou não», constatou o líder parlamentar comunista.

A declaração política de Bernardino Soares motivou reacções de todas as bancadas, com José Luís Ferreira (PEV) e Mariana Aiveca (BE) a corroborar das mesmas preocupações do PCP, expressando a sua oposição aos intentos do patronato e do Governo, e os partidos da maioria a virem a terreiro em sua defesa com a habitual desfaçatez de afirmar que as mudanças visam «influenciar o mercado de trabalho para criar emprego» (Adriano Rafeal Moreira, do PSD), optando Nuno Magalhães (CDS-PP) por cantar loas à concertação social, dizendo que é aí e não na rua que estas questões se dirimem, depois de acusar o PCP de «visão maniqueísta da luta de classes», de «linguagem excessiva».

«Agressiva é a vossa política, contra a vida das pessoas e isso está à vista todos os dias», ripostou Bernardino Soares, observando, irónico, ter ainda admitido que o líder parlamentar do CDS-PP tivesse aproveitado a sua intervenção para explicar qual tinha sido o «visto familiar» para esta proposta das indemnizações. Espera vã, pois, convenientemente, Nuno Magalhães falou de outras coisas, nada sobre a ausência de «visto familiar» para esta proposta, contrariamente, afinal, ao que estabelece o programa do Governo.

 

 




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