Papel do Estado na comunicação social é central para um regime democrático
AUDIÇÃO Com os média dominados pelos interesses monopolistas e veiculando a sua perspectiva de classe, ganha crescente actualidade a informação plural como um bem indissociável de um regime democrático, da valorização do trabalho e dos trabalhadores do sector, e do papel do Estado neste.
O rumo a seguir é o da valorização e qualificação do serviço público
Estas foram ideias centrais sublinhadas numa audição realizada ao final do passado dia 30 de Junho, moderada por Carlos Gonçalves e na qual intervieram sete outros participantes. A abrir os trabalhos, o membro da Comissão Política do PCP não deixou de relevar o crescente papel que têm vindo a assumir as redes sociais como veículos de «informação», mas salientou que os órgão de comunicação social continuam a ser determinantes «na informação de massas, na cultura e na formação de elementos essenciais da consciência social, ou muitas vezes na sua alienação e perversão».
Este último aspecto, de condicionamento da informação de massas, do «seu conteúdo social, político e ideológico em proveito do grande capital e das forças políticas que o servem», está intimamente ligado ao «controlo pelos grupos económico-mediáticos ditos “nacionais” (mas que muitas vezes integram multinacionais), dos média dominantes em Portugal».
E pese embora a concentração da propriedade dos órgão de comunicação social estar «impedida pelo Art.º 38.º da Constituição da República, é há muito um processo em concretização avançada, com a intervenção activa ou a cumplicidade dos sucessivos governos do PS, PSD e CDS», lembrou ainda Carlos Gonçalves, antes de fazer um esquiço dos grupos que prevalecem no panorama mediático luso.
Noutro plano, o dirigente comunista lançou também como pistas para debate e reflexão, alguns elementos da chamada crise no sector, que agravada no actual contexto pandémico já «se assume como instrumento da concentração e centralização de capitais e poder, de imposição de mais exploração dos trabalhadores e de regressão das liberdades de imprensa e informação».
Luta apesar da crise
«A crise é real para os trabalhadores do sector e para a imprensa regional e as rádios locais, mas não o é para os grupos económico-mediáticos», deixou claro Carlos Gonçalves, que insistindo nos efeitos perversos do domínio da informação pelos grandes conglomerados subalternos do grande capital, denunciou o ensejo destes, acalentado há muito e acarinhado pelos sucessivos governos, de «menorizar, destruir e privatizar a Lusa e a RTP».
Em todo o caso, mesmo num quadro tão complexo, «os trabalhadores têm vindo a intervir e a lutar em defesa de postos de trabalho, direitos e salários, contra os despedimentos e o lay-off, contra as arbitrariedades (como na imposição do teletrabalho)», lembrou também Carlos Gonçalves, que a terminar realçou alguns dos elementos que o PCP preconiza nesta matéria: «a defesa da liberdade de imprensa e de informação, designadamente com medidas contra a concentração monopolista dos media, para defender o País das imposições das multinacionais e por uma informação livre da instrumentalização do grande capital; a reestruturação da RTP, com uma gestão independente e os meios necessários; o investimento na Lusa; a qualificação da Televisão Digital Terrestre; o apoio à comunicação social local e regional; a valorização dos salários e direitos de todos os trabalhadores da comunicação social, do sector público e privado».
Como está não tem futuro
À intervenção do dirigente comunista, seguiram-se, durante cerca de hora e meia, sete outras, as quais, conjugando no essencial com o que foi inicialmente avançado, permitiram explicar melhor o quadro existente e as vias de fuga possíveis.
Jornalista, professor universitário e investigador, Fernando Correia trouxe à conversa dados importantes para compreender dois factos estruturantes: um primeiro relacionado com a degradação do exercício da profissão, indissociável das cada vez mais precárias condições em que laboram os jornalistas, designadamente ao nível dos salários e vínculos; um segundo sobre a propriedade concentrada dos média, de cuja decorre a formatação e manipulação de comportamentos e opiniões, directa ou indirectamente, sendo inegável que «a relação entre os média e a sociedade reveste-se de um carácter profundo e estrutural, com natureza de classe».
Alfredo Maia, jornalista e ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas, por seu lado, abordou com detalhe três tópicos que se encontram na ordem do dia, designadamente o teletrabalho e os seus efeitos nocivos – na relação do jornalista com os superiores hierárquicos e com os camaradas da redacção, na formação da consciência crítica, da solidariedade laboral e da organização e acção colectivas; na intensificação da exploração do trabalho e na qualidade deste, entre outros –, o abuso do lay-off como antecâmara dos despedimentos, e a inexistência de um debate sério sobre fórmulas para ultrapassar a crise nos média sem ser à custa da erosão das redacções e do jornalismo digno do nome.
Ora, para o jornalista Pedro Tadeu, nem a recomposição do capital por parte dos grupos detentores dos órgãos de comunicação social, actualmente em curso, nem a «uberização» da produção da informação são caminhos viáveis. E a sobrevivência do sector está mesmo em causa, considerou Pedro Tadeu, que alertando para o facto de aos sectores mais anti-democráticos do capital servir, hoje, a difusão de «conteúdos» cunhados com a sua perspectiva e propósitos, considerou que os privados não estão em condições de assegurar informação diversificada e plural, qualificada, rica e independente, entre outros requisitos essenciais. Assim, sustentou a reconfiguração do papel da RTP e da Lusa e a existência de um órgão de informação público com expressão em papel e em linha, justamente para garantir a informação como bem fundamental, o que aos privados pouco importa, note-se.
Intervir
A parte final da iniciativa foi centrada no caso particular dos 27 trabalhadores da RTP-Porto, que ainda aguardam a justa integração nos quadros da empresa no âmbito do PREVPAP. Nuno Rodrigues e Bruno Pinto detalharam a situação e denunciaram o afastamento dos profissionais que se encontram em luta pelos seus direitos, e os deputados do PCP, António Filipe e Diana Ferreira, asseguraram, depois, que como noutros casos de defesa dos direitos dos trabalhadores, o Partido não vai desistir até que seja feita justiça.
Os eleitos comunistas, nas respectivas intervenções, criticaram, igualmente, o apoio concedido agora pelo Governo aos grupos privados que durante anos promoveram e foram actores da «fúria privatizadora» no sector, insistindo que o rumo a seguir, e do qual o PCP não abdica, é o da valorização e qualificação, nos diversos domínios, dos trabalhadores e do serviço público de rádio e televisão, da agência noticiosa nacional no quadro de uma política de Estado para o sector capaz de garantir a vitalidade e independência essenciais ao regime democrático.